domingo, 18 de março de 2018

Meio século depois...


Meio século depois...


O Fusca do meu pai ficou estacionado por quase 10 anos, ele deu de presente ainda em vida para minha esposa e o restauraria para entregar a ela no dia que ela conseguisse a carteira da OAB, se dependesse desse resultado o Fusca continuaria lá, na garagem. Mas, eu também reprovei muito na vida, e como reprovei, em todas, e nem por isso meu pai deixou de desfrutar de um carro usado para que eu pudesse desfrutar de um carro " zero ". Ambições de " piá ", você sabe muito bem como é...

O ano passado foi muito turbulento, foi o legítimo ano ' 13 ', que até então eu tanto adorava, hoje tenho receios... como não fizemos férias devido a estas atribulações do ' 13 ' resolvi investir no Fusca e re-presenteá-la em nome do meu pai e com a força de alguns amigos que me incentivaram, por mim não mexeria, não tenho mais paciência com carros, minha época de empolgação já passou. Juliano Scolaro foi o grande incentivador. Ficou mais feliz e empolgado que eu próprio quando viu o Fusca " quase " pronto " esta semana.

Mas não vim aqui para registrar isto, vim aqui para registrar a sensação que tenho sentido em cada lugar que passo ou paro com o Fusca. Em minha primeira " voltinha ", coincidentemente, passei pelo primeiro mecânico que cuidava do carro do coração do meu pai, um carro que nunca tomou sol nem sereno, que ele sempre frisava: " Vendo o Javel e a Lourdes mas não me desfaço do meu Fusca ", cuidadíssimo, com a ajuda dos mecânicos de verdade da época, hoje, um monte de porcarias ( tem exceções ), poucas mas tem!
Volto lá no primeiro mecânico, hoje ele se entregou à bebida e andarilha com um companheiro pela cidade, no auge de uma das suas " bebedeiras " ( deve ter lá seus motivos... ), passei por ele e adivinha, ele reconheceu o Fusca, brilhando, e cutucou seu parceiro que nem teve tempo de ver devido a seu estado de embriagues, vi os olhos do mecânico marejarem tomado por lembranças carinhosas daquele senhor gentil e exigente que era meu pai, de longe mas vi, senti o brilho da falta de maldade nos olhos dele. Diferente de muitos...

Em cada lugar que passo, eletricistas, mecânicas, lojas de pneus e etc, quando chego na porta com o Fusca, logo aparece do nada um amigo do meu pai com os olhos brilhantes e a memória acesa com boas lembranças e já vêm dizendo: " Este Fusca é do Jurandir né? " Respondo que sim e conto a história sobre o seu retorno às ruas.
Impressionante é a memória ( afinal, estava escondido a dez anos ) e a emoção dessas pessoas e minha mesmo ao dirigir o primeiro carro novo do meu pai, 50 anos depois, estou até começando a gostar da coisa.

Cada amigo, uma lembrança e uma estória que tenho escutado, duas ou três por dia é certeza. ( hoje por exemplo, com Ariosto Menzel e Plínio Malfatti ). Histórias essas que me colocam em uma viagem muito maior do que dirigir a raridade tantos anos depois, todas elas batem exatamente com a versão que eu já tinha ouvido pela boca do meu pai, ou, dos meus pais.
Suas duas faculdades feitas com o Fusca, uma em Palmas/PR e outra em Itajaí/SC, ( com Imar Rocha e Nadir Pegoraro ), na época em estradas de chão cascalhadas e quem sabe até, melhores que agora...
Sua frase a respeito do " Napoleão ": " - Meu Fusca tem 3 velocidades, devagar, mais devagar e parado, geralmente ele está na terceira...".
E, a eterna dúvida, teria mesmo, eu, sido feito lá, dentro do Fusca??

Sinto quando eles se aproximam uma energia boa, de todos eles, os amigos antigos do meu pai, mas também sinto uma espécie de " água fria " quando eles decerto imaginam no devaneio da hora ver meu pai descendo do carro e eis que eu apareço.
Tenho tentado reconquistar cada um deles, ouvindo suas estórias e me emocionado com eles, mas sinto também uma sensação de débito, afinal, meu pai era muito querido e simpático, já eu, em mais este ponto, acabei por cair meio longe do pé....

Fica o registro com carinho a todos que têm dividido comigo esta emoção de, em cada encontro, com cada um deles, compartilhar uma estória diferente sobre meu pai, ou, sobre o Fusca do meu pai.
Se é verdade que recordar é viver, e que, além de gostoso é muito gratificante dirigir um pedaço da estória do meu pai meio século depois? Sabe que eu diria que é!

Cuidarei com carinho.
Primeiro porque não tenho mais um pai que paga pelas loucuras de um adolescente inconsequente que faz " zerinhos ", " frita pneus ", " corta giros ", " rebaixa " e etc.
Segundo e principal, cresci!

Próximo passo, 75 anos. Se tudo correr conforme combinado, nas mãos da minha filha que terá o prazer de dizer assim: " Este foi o primeiro carro novo que meu avô comprou há 75 anos atrás ".

Detalhe para terminar meu texto, um " merchanzinho ": R$ 35.000,00, " uma em cima da outra ", este 98% de originalidade pode ser seu!

#Brincadeirinha

#EsteNãoTemMaisPreço

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